Espero-te no porto

Maldito. Maldito seja este muro que se interpõe entre nós dois. Maldito tu. Tão tu e só tu, seu amaldiçoado. Por mais que teime em encurtar as nossas margens, redobra-se a força da corrente. O mar ancora-nos numa deriva ingrata. Mas também desafiadora, confesso. Cansas-me a todo o caminho, independentemente do rumo que ele tome. Deleitas-me com todo o carinho, e que saudoso é esse mimo infiel. Apesar de arderes de desejo, o teu barco torna-se cada vez mais protetor. Reforças-te de bom armamento, quase inultrapassável. Bom material, não te parece? Na minha ingenuidade até adivinho os teus motivos, mas não percamos tempo em navegações perigosas.

Sobe, sobe a ânsia do teu abraço reconfortante. Desce, sim que desce o tenebroso medo de confronto. Molho-me de tentação. Refugio-me de provocação. Dá atenção aos trajetos incertos do meu olhar. É certo que, por mais que se atrevam, estão escaldados de efusão. Não me importo, pelo menos por agora. Temos claro e assente que o leme que nos direciona é repleto de agoras. Futuros presentes e presentes futuros. Atrevem-se mesmo a tomar proporções incalculáveis e infindáveis, tanto que já lhes perdi rota e acertos. Desculpas idóneas de desencontros nas orlas marítimas, mas insuportável ao motor que nos move. Remato até, intoleráveis em dias de tempestade. Afinal, a vida é repleta de contratempos. E se sabes gerir a tua embarcação, como ousas ofuscar o teu motor de trabalho?
Não sejamos tontos, muito menos ingénuos. Sabes que te quebras diante mim, como uma onda do meu cabelo nos seus trejeitos naturais, mal suspeitas de aproximação da minha ofegante respiração sedenta de ti. Tornaste volátil como uma maré. Mas quero-te, tremendamente que te quero. Solta a âncora e dá largas ao mundo que nos espera. Num solto beijo de marinheiro, dás à costa o nosso desejo. De maré cheia, espero-te no porto mais perto de nós.