Um rabisco, um traço

Ao olharmos para uma parede branca, comparamo-la a uma folha de papel vazia. Podemos fechar os olhos num natural movimento. Mas, quando os abrimos novamente, a realidade não se altera. A folha é a folha. A parede continua a ser a parede.
O sentimento nu e cru, quando a folha e a parede estão eternamente brancas, é a força de nos isolarmos num canto. Queremos então que, nem o piar do pássaro incomode a nossa solidão. A revolta gera-se, como um barco a naufragar. Aí apercebemo-nos que precisamos de quem nos ajude a erguer a cabeça, a voltarmos a viver, a preencher o espaço branco do suporte da nossa vida.
Numa primeira reflexão tentamos compreender porque é que vivemos na solidão. Seguidamente questionamos a diferença entre a folha de papel vazia e a parede totalmente branca. Chegamos logo à conclusão que, a folha de papel limpa, sem qualquer rascunho, sem qualquer rabisco, sem qualquer linha traçada e a parede totalmente branca, sem uma falha de cor, sem um risco não-cuidado, é como uma vida em isolamento completo. Anteriormente não percorremos os caminhos, para atingir o auge do nosso caminho, marcante no globo.
Retiramos a conclusão que a folha branca e a parede da mesma cor, completam a nossa existência, pois estas vão-se enchendo de traços, de caminhos percorridos, de sensações entusiasmantes.
Quem nos encontra, quem nos ajuda, sendo inicialmente um desconhecido, quem nos observa, a quem, acidentalmente damos em encontrão na rua, é esse alguém que nos vai completar a vida, a quem iremos chamar amigo. Dilata então, uma afeição, uma amizade.
Os segundos, os minutos, as horas, os dias, os meses, alguns anos vão-se sucedendo. Damo-nos conta de que construímos, aos poucos, uma amizade, eterna, perpétua. Essa amizade, que edificámos, é igual à construção de um ninho de uma qualquer cegonha. Feita com o máximos de cuidados e aos poucos.
Passados esses meses e anos, percebemos que a folha de papel está cheia de linhas, de rumos levados, de rascunhos efectuados. E quando não conseguimos colocar mais nenhum ponto nessa folha, antes branca e agora transformada em negro, verificamos que o melhor é por fim à amizade, já que não há nada mais a explorar nela. Este é erro que muitos. Nós próprios alguma vez já o fizemos.
É aí que começa a surgir a saudade de uma abraço, de um beijo, de um aperto de conforto, de uma palavra, o que, a maioria das vezes, não é possível agarrar com as nossas mãos esses adoráveis sentimentos. Aí sentimos o coração a disparar de choro, os olhos a superarem os oceanos, o tacto a falhar. Agarramos em nós e apertamo-nos, contraindo os músculos, na tentativa de desaparecer. Queremos sufocar-nos de tanta saudade. De tanta mágoa. Só aí entendemos que, apagar a folha para construir tudo de novo não é possível, pois ficariam pequenas marcas gravadas e é aí que, experimentamos apagar com mais força o passado. Porém, inesperadamente, a folha rasga-se. Um golpe inexplicável.
Passados anos de ignorância lembramo-nos que apagar os rabiscos da tal folha fora errado e sim, o melhor seria ter comprado uma outra folha igual, sem nenhum diferença e continuarmos o percurso da dedicação, da amizade, do amor.
A vantagem de escrevermos o caminho da amizade construída por dois indivíduos numa parede, inicialmente branca, é que por mais que a escrevamos e a rabiscamos ficando negra, temos sempre a possibilidade de ir acrescentando grandeza à mesma.
Tanto na parede como na folha conseguimos colocar os sentimentos, as emoções, os segredos, os conselhos, os auxílios, as zangas, os abraços. Caminhamos assim, para a amizade perfeita. Podemos defini-la como sendo criada com o coração. Com o motor que nos persegue e que nos dá tudo o que somos.
Agora pergunto-me, será melhor escrever numa parede ou numa folha, o percurso de uma amizade perfeita?

Comentários

Mensagens populares deste blogue

Inconsistência assertiva

Fode-me e consome-me

Espero-te no porto