Perturbações

     Estou em pleno deserto de ideias vagas. Sinto-me nua de sentidos. Nua mesma. Preciso de algo que me dê animo para me erguer deste suplício. Não basta ideias idiotas de "segue em frente", "força", "tu consegues", "és forte"; é mais do que isso... E não são tão idiotas assim.
     Sinto o meu coração a colidir com a minha alma incrédula. Os meus ventrículos estão ruidosos. A confusão reina no meu ser nada ingénuo (ou será?). Interrogações percorrem gravemente a minha suave vida. As antíteses, naturalmente, fazem parte dela - querer/não querer, ser/não ser. Incógnito.
     Quero reinar o meu espírito, quero mesmo. Constantes entraves não desejados perpetuam-se. Hoje estou em perturbação plena e autêntica. Até a ordem das palavras que fragilizantemente saem das minhas cordas vocais estão trocadas. Perdão. Vou contar um história:
     Estava eu em plena travessa da minha aldeia quando, inesperadamente, alguém me chama. Parei. Não reconhecia a voz e não soube de onde provinha. Continuei a caminhar intrigada, no entanto, não deixei que as minhas pernas estancassem ali. Chamaram-me outra vez, parei. O efeito pedra tinha-se abatido sobre mim. Rodei para a esquerda e o medo assombrou-me. Uma senhora bordava à sua porta - não era ela, pois, pelo que dizem as pessoas da terra, ficou muda quando perdeu o marido no Ultramar. Girei para a direita, nada. À medida que as minhas passadas iam ficando para trás o sobressalto ia crescendo crepitantemente. Qualquer ínfimo barulho mexia com o meu ser. Ouvia decerto uma voz. Cortei por um atalho e cheguei, finalmente, a casa. Não ouvi mais nada, apenas o barulho do meu estômago a arder de fome. Depois da minha avó me preparar um pão com queijo, saí de casa e fui buscar água à fonte. Decidi passar pela mesma rua onde havia ouvido, há momentos atrás, aquele barulho incerto. A vizinhança estava apavorada e assustada. Fiquei alarmada pois não entendia as razões de tais movimentações loucas na aldeia. Estou perturbada com tudo isto. Aperto firmemente as mãos pedindo fé a Deus. Até que, por súbito espanto, se ouviu "Está morta". A mulher que estava a bordar morreu repentinamente. São possíveis estes acasos da vida?
     Devo estar louca ou então perto disso. Tenho um poder destruidor dentro de mim. A voz que tinha soado ao meu ouvido só podia ser daquela mulher sofredora, pedindo ajuda. Ou será que não? Preciso de ajuda! Não aguento mais este sôfrego constante e atormentador!

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