Influências: "Contos e Diário" de Florbela Espanca


Lição #1: "Um caiu mais cedo, outro mais tarde; que lhes importa?", já dizia Marco Aurélio, citado por Florbela Espanca.
Florbela Espanca, apesar de ter ficado conhecida por poetisa, não só em versos e rimas exprimiu a sua alma. No livro, que agora farei um curto review, é composto por esplendorosos contos e um diário sofredor, nos quais prevaleceram a sua fé no amor, com constantes transições para a sua libertação. A obra foi redigida após o falecimento do seu irmão, característica notória do fado e tom pesado com que cada palavra é impregnada na obra. Foi exatamente esta obra que me abriu as portas ao mundo, impulsinando o meu recomeço existencial. O meu intelecto apagado e ainda por descobrir. O karma com que este livro me foi oferecido não passou em branco para a reflexão que me apronto a fazer.
Não somos donos do nosso destino, como tão bem nos é passado de boca-em-boca. Assustei-vos? Pelo menos, não creio nisso mesmo. Pois bem, é deste assombroso assunto que trato em mais uma publicação. O fado que nos traça a vida é incerto. Não o comandamos, nem muito menos o destinamos. Se há factor que desconhecemos, é este mesmo. Que poderemos, ingenuamente, determinar na vida, se ela arranja escape para nos trocar o sentido? E tão maroto que é, que aparece sem ser convidado. Ora bem, o fácil seria servir-lhe um chá de boas-vindas, assim, nos minutos de angústia para a chegada da minha vez, teria a minha retórica para o contestar. Camomila? Seria perfeito, com um golpe de ervas calmantes e sedativas, tinha mais um ponto a contar a meu favor, nas trocas que pretenderia fazer ao destino. Assim, de acordo com esta perspetiva, o planeamento e vislumbre de um marco de destino é totalmente incoerente. Para quê continuarmos a dizer que "somos donos do nosso destino"? Além de, pior que definirmos o nosso fim, é sabermos que o cruel e angustiante aparece nas entrelinhas do nosso pensamento. Este sim é mais crítico e doloroso. Se vivermos em constante medo e afronta no "quando" e "onde" ele surgirá, ele aparece sem surpresa. Todavia, caso desfrutemos ao máximo do encanto e exclusividade que a vida nos fornece, aí sim, somos proprietários da nossa vida, da nossa plenitude, do nosso infinito. Por quê continuar a refletir na finitude da nossa vida? De sermos donos de um fim que não é nosso nem nos pertence? A vida é nossa, fazemos com ela o que bem entendermos; o destino é dele, faz ele o que bem lhe der na real-gana e aparecerá quando lhe convier. Não podemos ser donos de um malandro que se quer intrometer entre sorrisos e abraços. Ele não foi convidado para surgir na minha vida, por isso, não é meu. E nunca será. Até ele decidir aparecer, viveremos como não houvesse amanhã.
A obra Contos e Diário de Florbela Espanca apareceu num momento crítico da minha vida. Quando duvidei de tudo. Até de mim. O pior que alguma vez poderia ter feito... Os porquês disto e daquilo insanos. O agradecimento a um Deus que acreditava existir, por me ter salvo das entranhas da morte. Paralelamente a este agradecimento, não faltou incriminação óbvia e dicotómica a este Deus. Uma arrelia incrédula a Ele por não me ter colocado uma película protetora em torno do meu corpo. Ele foi o culpado do "sim" e do "não". Sem escapadela possível. Mas, principalmente, a pior dúvida que me assombrou, foi nos meus devaneios de meia-noite. Agora agradeço, não ao Deus que acreditava existir, mas ao mundo insano e glorioso que encontrei dentro de mim, apesar das travessas que o fado me quis trespassar. A queda aparatosa que enfrentei e que já fui dissertando por aqui, trouxe-me mais do que me tirou. Possibilitou um recomeço do meu génio, uma autodescoberta incrível, um amor inigualável por mim. Só por isso, dizeis vós, valeu a pena, não? Pois, sim. Assertivamente. Não fui eu que, supostamente "dona do meu destino", quis que o meu corpo embate-se e se acidentasse. Quis ele, o meu fado, que eu esmurrasse e aprendesse com a forte batidela. E aqui estou, vivendo e explorando cada parte de mim, dando e coletando parte dos outros. Eles, que nos ajudam a darmos uso ao nosso diafragma nos momentos de riso e solidão. Eles, que põem neles, parte de nós. E tão bom que é darmos de nós aos outros e recebermos parte deles em nós. E sim, agradeço-te de escapadela, Destino, por me tentares derrubar demasiado cedo. Como me ergui, superei-te. Inveja-te, eu sei. Mas, ouve Destino, aparece na infinitude das minhas palavras para um chá. Digo mesmo, Destino, ofereço-te umas bolachinhas como aperitivo, já que a nossa conversinha vai ser longa... Não levas de mão-beijada a minha vida, nem muito menos te congratularás por isso. Tentaste uma vez, sem sucesso. Não queiras repetir a vergonha, porque é exatamente isso que terás caso decidas aparecer....
De maneira que, da próxima vez que disserem que são donos do vosso destino, desenganem-se! Ele é esperto o suficiente para vos tramar. Façam a vida valer a pena, realizem-se ao máximo e, quando o destino decidir intrometer-se, dêem-lhe uma palavrinha de consternação e lutem! Lutem muito! Batalhem! Sonhando alto, desejem o melhor. Façam-no por vós! Já dizia a pessoa que me ofereceu esta obra de reflexão pessoal, e que tanto estimo, ""nós somos do tamanho daquilo que desejamos".

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Deixo um agradecimento de ternura e estima à pessoa que me ofereceu esta magnífica obra, não pelas palavras que contempla, mas pelas lições que me deu. Obrigada, Vanessa.

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