Joanne & João

O silêncio estava ausente. Tudo se perdera num abrir e fechar de olhos. A luz que lhe iluminava o caminho fechara-se, apagara-se. Ouviu-se um tiro no escuro. Não, não fora um tiro. Fora algo que não se distinguira bem do barulho que se fazia sentir. Talvez um “espirrar” de alguém. Alguém único que assistia à cena de olhos abertos. Alguém que vira a cena toda. Toda, mas mesmo toda. Joanne e João. Eram os únicos numa rua com a inexistência de luz e existência de barulho. Talvez fosse a rua mais deserta daquela cidade. Porque, ao contrário daquela rua, em todas as outras havia pubs, discotecas e bares.
Joanne tossiu. Joanne deitou lágrimas de tristeza. João não entendia porquê. Tentou compreender mas não entendeu. Passaram-se mais alguns minutos inacabados e João continuava a não entender. Joanne acelerava a sua rotina de lágrimas e, desta vez, não conseguia por um fim àquela tristeza toda. Não conseguiram dizer nem uma palavra. Nem um “Não!”, nem um “Sim!”, nem um “Diz!”. Palavras simples mas difíceis de dizer. Algo se martirizava naquela rua.
Ouviu-se um tiro. Sim, desta vez ouviu-se um tiro. Não havia dúvida que fora um tiro. Um tiro certeiro no coração de alguém. Joanne caiu no chão desamparada. Bateu com a cabeça, à porta de uma casa desconhecida. Joanne estava morta. Fora um tiro vindo do nada. Alguém por gosto, talvez, fizera disparar uma arma. Joanne deitava sangue fora pela sua delicada boca.
-Atingiram-na! Atingiram-na! NÃO! NÃO! NÃO! – João estava sofredor. Chorava como Joanne. – Mataram-na! SIM, mataram-na! – João estava suado, as lágrimas não paravam. O cabelo estava molhado. O seu pensamento era dominado pelo nome Joanne.
A noite passou-se em branco. João estava num jardim obscuro. Nunca estivera ali. À sua volta tudo era desconhecido. Não havia flores. Não havia árvores. Não havia pássaros em liberdade. Não havia barulho. Para si, era um sítio perfeito. Não lhe fazia lembrar ninguém. Especialmente, não lhe fazia lembrar Joanne.
Num ápice, ao pensar no que estaria ali a fazer, lembrou-se de recordar a noite que havia passado.
Começou pelo fim da história inanimada. Começou pela parte de Joanne ter falecido. Depois, deitou mais algumas lágrimas. Regressou ao início da história. Joanne, naquela noite, tinha-se vestido a rigor. Joanne era bonita. Para João, era muito bonita. Para João, era mais bonita por dentro do que por fora, e era isso que lhe interessava. Joanne, à meia-noite precisamente, foi ter com João àquela “sangrenta” rua. Quando se aproximaram, Joanne abraçou-o e disse-lhe que o amava. Joanne sentiu-o com as suas calorosas mãos. Sentiu-lhe o olhar fixo nos seus olhos. Assustou-a por momentos, mas depois controlou a situação com o desvio do olhar. João amava-a, mas não da mesma maneira que Joanne o amava a ele. Eram maneiras diferentes de amar. Joanne sabia disso mas, mesmo assim, decidira arriscar. Arriscara e sofrera. Joanne estava assustada com o barulho. Não era aquilo que ela queria. Nem naquele lugar, mas não conseguiu dizer-lhe nada acerca daquele sítio. Não conseguiu dizer-lhe uma coisa tão insignificante, porque não era aquilo que lhe interessava naquele momento.
-João, eu não quero mais. Estou cansada!
-Joanne, que se pass…
-João, não te atrevas a falar. Por favor, ouve-me! – Joanne estava nervosa, mas mesmo assim prosseguiu. – João, há meses que te amo, e tu sabes disso! Mas tu pensas que é só por amizade. Claro que não é. É mais do que isso! Eu ajudei-te em tantos momentos! Não fazes ideia. Há tantas situações em que te fiz bem, mas tu não reparaste!
Ouviu-se um grito na rua ao lado. Joanne pensou que fosse mais uma pessoa alcoolizada a desmaiar. E assim continuou
– Eu arrisquei o meu amor por ti, para tu poderes amar à vontade. Amar uma rapariga amiga. Amar quem tu amas de verdade. Enquanto tu vivias feliz com ela, eu sofria sem tu saberes. Eu ajudei-te tanto com ela que eu, bem… sofri com isso. Mas tu não percebeste porque estavas cego, e não vias o que tinhas à frente! Não vias o meu amor interminável por ti!
João deitou uma lágrima de inocência. Apercebeu-se do que tinha feito. Por vezes, parecia-lhe que Joanne o amava, mas outras vezes não tinha a certeza. Parecia-lhe apenas que o amava como amigo!
- Joanne, porque não me con… – João estava confuso.
- João, eu apenas te queria ver feliz, nada mais que isso. Eu amo-te como nunca ninguém te amou. E ninguém te irá amar como eu te amo. Eu adoro-te como nunca ninguém te adorou. Eu simplesmente tenho a consciência de que te amo. Nada irá mudar isso. Eras o meu melhor amigo. Nada mudará. Mas eu amo-te. Tenho a noção do que estou a dizer.
- Joanne, mas eu gosto de ti apenas como amiga, nada mais. Tu sabes que eu amo outra pessoa. Há tempos e tempos que a amo. Eu disse-te tantas vezes isso! – João estava triste.
Ouviu-se um tiro. Ninguém ligou. Ambos não ligaram ao que ouviram.
- Não me digas isso! Por favor!
Ouviu-se outro tiro. Este sim era decisivo. Era o tal tiro. João tapou os olhos. Não quis relembrar-se do que tinha sucedido depois. Apenas quis relembrar-se da cara de Joanne. Da cara cheia de lágrimas de Joanne. Da cara com o sorriso mais bonito que alguma vez tinha visto.
Naquele sítio, onde se encontrava, João chorava mais umas quantas vezes. João lembrou-se de duas frases que Joanne tinha pronunciado: “Eu amo-te como nunca ninguém te amou. E ninguém te irá amar como eu te amo.” Neste momento Joanne já não estava cá. Partira. Partira coberta de sangue e com lágrimas. Talvez de satisfação porque conseguira dizer aquilo que tanto ansiava dizer.
João, a partir daquela noite, apercebeu-se de uma coisa. Apercebeu-se que amava Joanne. Amava-a tanto como ela o amava a ele. Era isso que Joanne queria. Era isso que Joanne queria sentir lá em cima, do sítio em que o vigiava e tomava conta dele. O céu estrelado!

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