O papel escrito com tinta

Ouviu-se um suspirar assustado de alguém. Sentiu-se o suor de uma personagem, a fazer sombra na parede de um quarto sólido. O suor percorria-lhe o corpo inteiro. Viu-se uma pinga a pisar bruscamente o chão, sem dó nem piedade. Pequenos formigueiros apareciam-lhe sem razão possível. Era nervosismo. Com certeza que era o medonho e apavorante nervosismo que se fazia sentir. Joanne estava deitada na sua cama. Apesar do seu quarto estar quente, Joanne estava com arrepios frequentes. Junto ao nervosismo vinham as lágrimas desalmadas. Lágrimas que secavam com o calor do quarto, que congelavam com o pensamento e sentimento do seu coração. Joanne, rapariga divertida, inteligente e com uma alegria notável, estava claramente triste e desolada. Joanne sempre acreditara que o amor estava acima de tudo. Mesmo que acontecesse uma tragédia, o amor valia mais que grandes amigos. Essa opinião modificara-se por completo num abrir e fechar de olhos. Num ápice, Joanne apercebera-se que o amor se interliga com a amizade. Pontos fundamentais estavam em sintonia. Uma amizade que, sem um grande amor, não valia de nada.
Joanne deitava lágrimas. Muitas lágrimas se comparadas com o seu ritmo habitual. Joanne, em outros tempos, chorava em ocasiões felizes, mas o destino pregara-lhe uma partida. Joanne aprendeu que se chora em momentos alegres e em momentos amargurados. Nesse momento, Joanne vivia uma situação dolorosa e atribulada. Amor e Amizade. Para ela, estas duas palavras representavam UMA VIDA! Uma vida que, sem amor e sem amizade, poderia acabar porque não faria sentido.
O quarto, no qual Joanne passava maior parte do seu tempo, tinha cores alegres. Cores a que Joanne agora não ligava. Joanne vivia no seu Mundo. Um Mundo sem cores, sem movimento e sem entusiasmo. Um Mundo individual, um Mundo pertencente a um Reino só dela. Um reino em que não havia dragões, nem princesas, nem príncipes encantados. Não existiam essas histórias mirabolantes, no Mundo de Joanne. Existia, porém, um Mundo realista e consciente. O Mundo de Joanne era a sua cama. Uma cama grande, cheia de cores, com uma companhia sempre presente: o seu ursinho. O tal ursinho que era a companhia eterna de Joanne, a companhia que Joanne tinha quando queria aliviar da tensão e desabafar com algum ser, a companhia que a auxiliava e seguia a vida diária de Joanne. Uma vida que se tornara numa lástima.
Joanne deitou-se na cama. Esperava ansiosamente que o seu choro terminasse. Já tinha recapitulado para si mesma, muitas vezes, esta história. Mas, todas as noites, Joanne fazia questão de se relembrar. Apesar de não querer, não lhe saia do pensamento.
Instantaneamente, levantou-se da cama e lembrou-se de pegar num papel e numa caneta. Joanne tinha um dom. Joanne escrevia lindamente. As palavras saíam-lhe naturalmente, não havia plágios. Joanne, quando pegava numa caneta, lembrava-se do vento e da brisa. Lembrava-se que o vento nunca tem sempre a mesma intensidade. Está sempre a mudar. Por vezes é suave, por vezes é bravio e rude. O pensamento dela também era assim! A imaginação e criatividade iam e regressavam. As ondas também se podem juntar ao leque de opções (vento e brisa).
Joanne retirou um papel qualquer do seu dossier da escola. Um dossier com uma singela cor: azul mar, ou talvez azul céu – as cores que representavam as suas duas grandes características. Regressou ao seu local preferido, a sua cama. Fez um traço na diagonal com uma caneta, que estava perdida na sua secretária cheia de papéis, livros e frases espalhadas. A caneta, ao primeiro traço, negou-se à escrita, mas, posteriormente, com um pouco mais de brusquidão, escreveu suavemente no papel cheio de dobras. Escreveu cinco palavras-chave.
“Toquei, olhei, aproximei, chorei, admirei.”
Ordenou-as por instantes e, de seguida, rasurou-as pois a ordem que tinha colocado não era a correcta. Voltou a escrevê-las. Os seus olhos estavam raiados de sangue, estava a tremer… Rasgou a folha. Colocou as pernas encostadas ao peito. Com os braços agarrou fortemente os joelhos e apertou-os com uma força inigualável contra o seu peito. Parou. Estes gestos súbitos fizeram-lhe retardar o batimento cardíaco. Olhou para a frente e viu-se no espelho que se encontrava ao pé da cama. Os olhos brilhavam. Retomou o seu papel rasgado. Num cantinho, em que o papel não estivesse amarrotado, redigiu novamente as cinco palavras. Ordenou-as, com rapidez.
“Olhei, admirei, aproximei, toquei, chorei.”
Agora sim, estavam na ordem correcta. Pensou e hesitou um minuto, mas prosseguiu. Passados momentos, estavam construídas cinco frases:
“Olhei, os meus olhos ficaram cegos ao vê-lo. Admirei, os meus olhos secaram e perderam o brilho. Aproximei, o ritmo cardíaco tornou-se instantaneamente acelerado. Toquei, senti falta de respiração. Chorei, por não poder tê-lo nos meus braços.”
[excerto de uma longa história]

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